"Ontem à tarde fui tomar café com um grupo de amigos. Sentados à mesa, houve um deles que pediu um café descafeinado. E dá-me sempre que pensar, quando alguém à minha beira pede um café descafeinado. Acho uma invenção muito estranha. Sabes o que é um café descafeinado, não sabes? Sabe a café, cheira a café, parece café… mas já não tira o sono. Arranjámos um modo de ficar na boca com o gosto do café, mas de maneira a que depois possamos dormir tranquilamente.
E quando penso no café descafeinado, lembro-me sempre que se meteu muito esta lógica, no cristianismo dos últimos tempos. Às vezes, parece que não há muito mais do que uma fé desfeinada. Sabe a fé, cheira a fé, parece fé… mas já não muda nada, não nos transforma, nem transforma à nossa volta. Parece que lhe tiramos muitas vezes a força transformadora e recriadora de corações – como tirámos a cafeína ao café. Parece que fizemos da fé um suceder de rituais aprendidos, mas que já não nos põe em casa, não nos faz estar despertos para a vida, não nos mantém acordados no acolhimento e anúncio da palavra.
Às vezes, sentamo-nos num banco de Igreja como numa mesa onde se toma um café descafeinado. Bebemos a nossa dose, cumprimos o ritual, deixamos nas bordas do coração um travo leve de fé, mas de maneira a que não nos tire o sono, não nos estimule nem desinquiete, de maneira a que não nos possa dizer que temos de mudar. Depois, costumamos levantar-nos e seguir o nosso caminho, como se nem sequer nos tivéssemos sentado… "
Rui Santiago cssr
Ao ler este texto duas coisas me vieram à mente:
a segunda: as palavras de S. Tiago na sua Carta: "De que aproveita, irmãos, que alguém diga que tem fé, se não tiver obras de fé?"